sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Crônica das salas vazias


Cheguei atrasado à aula (como de praxe) e fui para o meu lugar de sempre, o fundão. Sou o único que senta lá e isso nunca me foi um problema. Quando eu estudava em escola pública as salas viviam lotadas de uma maneira tal que por diversas vezes foi necessário buscar cadeira em outra sala, por isso alguém tinha sempre que ocupar o fundão, eu estava sempre lá firme e forte. Exceto em uma série (que eu não me lembro qual) em que eu permaneci o ano inteirinho sentado na primeira cadeira da fileira que defrontava (por incrível que pareça) a mesa do professor. Não sei o que houve comigo naquele ano. Foi um surto. Até que entrei na faculdade onde as cadeiras estão em sua maioria vazias e a voz do professor se propaga na sala.

Reflito, talvez se os donos dessas instituições privadas pensassem de uma maneira menos capitalista, eu até que seria menos injuriado por sentar onde sento, pois estou certo de que ainda existem aqueles que aspiram por um dia quem sabe, poder sentar nem que seja nesse lugar tão questionado nas salas de aula, e certamente, compartilhar comigo os ultrajes dos tutores. Existem é claro, diversos outros motivos pelos quais eu não tenho mais companheiros. Muitos não têm como pagar as mensalidades caras das faculdades particulares, isso sem falar nas públicas, que aplicam provas dificílimas em vestibulares, nos quais os candidatos são submetidos em alguns casos a uma maratona de provas que dura em média dois dias. E aquelas questões que são do tamanho do Salmo 119, sobre isso meu amigo Antônio comentou: “Eu até que sabia resolver às outras questões, mas não tive tempo. Deixei algumas sem resolver”. Bom, ele foi aprovado. E quando conseguem entrar como meu amigo Antônio, começa outro problema. Ninguém sabe realmente quando começarão as aulas, pois as férias foram, não raro, prolongadas pela greve de servidores públicos que (sinceramente) não tem motivo nenhum para murmurar do salário que recebem. Enfim, os professores lutam e relutam para que eu vá pra frente, como se de fato fosse fazer alguma diferença na minha absorção do conteúdo, alguns nem ligam, mas outros ainda tentam de um jeito timidamente simpático arrastar-me para as primeiras cadeiras da sala: “Ô Geraldo! Junta aqui com a gente.” Ou então: “Porque que aquele rapazinho ta lááá no fundo?” etc. Gostaria que, de fato, as universidades fossem entupidas de estudantes, ironicamente eu adoraria ter que esbarrar em pelo menos duas mil pessoas quando quisesse dar uma volta na hora do intervalo, ou ter que desistir de tirar aquela xérox que o professor exigiu por causa do excesso de contingente no balcão. Como seria bela essa visão! Minha aspiração pelo acontecimento dessa utopia dá-se não pelo fato de eu querer que os professores me deixem em paz, mas sim pelos milhares de talentos que estão sendo ignorados por que falta verba, ou simplesmente por falta de paciência dos governantes de fazer um investimento a longo prazo. Sinceramente, daqui do fundo vejo tudo, os meus dedicados amigos, meus competentes professores, e mais que isso, vejo dezenas de lugares vazios à minha volta. Quando tenho vontade, ocupo três cadeiras sozinho.