sexta-feira, 20 de março de 2009

Descrição automática


De casa até a parada de ônibus, é possível, para ele, terminar três cigarros. São suficientes para observar inúmeras coreografias formadas pelas fumaças nicotínicas que têm como tela de fundo as nuvens cinzentas da grande São Paulo. Mais três cigarros servem de passatempo até chegar ao metrô. João desistiu de ir ônibus. Conseguiu visualizar a loira linda de sempre ocupando um assento preferencial para idosos, gestantes etc. “Mas hoje não é dia de dar em cima, nem com o olhar”.
Para João, dar em cima daquela loira, é secundário no dia de hoje. Ele só quer imitar um rosto desfalecido por uma doença qualquer e conquistar um atestado médico para voltar para casa e pensar numa boa e triunfante maneira de se suicidar.
Tanta monotonia está deixando-o paranóico, ele até pôs como nome no perfil do Orkut “João automático”, de tão repetitiva que é sua vida.
Ele já pensou em ser dançarino, professor de história, bibliotecário, prostituto e por aí vai.
Na verdade, João só queria vivenciar um predicado que lhe trouxesse um sentido, o que ele espera.
Bom, não havia médico no posto, então sem atestado, e “mais um dia funcionando no automático”, indignou-se. Ao chegar à repartição, deparou-se com uma pilha de processos, e outra pilha de demandas que iram demandar que ele segurasse qualquer lágrima que insistisse em tentar cair. Ele não queria demonstrar o profundo e infindável desespero para os demais.
Já não sorria, e as piadas improvisadas com ajuda de características físicas dos companheiros não soam mais de sua boca. Só: “Bom dia, boa tarde e tchau”, e isso ainda lhe é penoso de dizer.

O resto é monotonia, se eu continuar falando sobre João, sairá automaticamente.